A crise tem um outro lado. Apesar da paralisia de grande parte da economia brasileira, oficialmente em recessão desde o ano passado, há situações que acabam impulsionando alguns setores. O maior exemplo é o dólar. A disparada da moeda americana traz efeitos positivos para indústrias em grande parte dependentes de exportações, como couro e celulose.
— O principal vetor na nossa recuperação é o dólar — reforça a presidente-executiva da Indústria Brasileira de Árvores, Elizabeth de Carvalhaes.
O fator cambial também desencadeou uma invasão de argentinos no litoral do Estado, para alegria da rede hoteleira da região. Há, ainda, a alta de combustíveis, que estaria levando muitos gaúchos a decidirem preterir as praias catarinenses — em nome da economia — e preferirem permanecer no Estado. Na Serra, nota-se a presença de visitantes que até pouco tempo atrás estariam partindo para o Exterior, opção que ficou mais cara com a alta do dólar.
Outros desdobramentos da crítica situação brasileira, como a perda de renda e a alta da inflação, também acabam beneficiando o consumo de carne de frango, mais barata em relação à bovina, principal concorrente. Os tempos bicudos fazem ainda o segmento tecnologia da informação destoar do setor de serviços no país por ser percebido como um aliado para racionalizar custos e aumentar a produtividade.
Curtindo a nova fase
Com 80% da produção destinada ao Exterior, os curtumes do Estado vivem uma expectativa rara para a grande maioria dos setores da economia.
— Começamos 2016 com sentimento muito melhor do que foi a travessia de 2014 para 2015 — diz o presidente-executivo da Associação das Indústrias de Curtume do RS, Moacir Berger de Souza.
Pelo terceiro ano consecutivo, o Estado foi o maior exportador de couros do Brasil. Os embarques renderam US$ 492,9 milhões, 18% abaixo de 2014 em dólares. Mas com o câmbio mais favorável no ano passado, a receita em reais foi maior. Para 2016, a projeção é aumentar o faturamento em pelo menos 10% em moeda americana, e ter em reais resultado ainda melhor devido ao patamar do dólar na casa dos R$ 4.
— EUA e Europa estão em uma situação econômica melhor. A dúvida é a China, mas acreditamos que a demanda se manterá — afirma Souza, acrescentando que os resultados de 2014 foram atípicos e, por isso, prejudicam um pouco a percepção sobre 2015.
O curtume A.P. Müller, de Portão, teve desempenho ainda melhor. Totalmente voltado à exportação, aumentou em 25% a produção de couros semiterminados e acabados no ano passado, e o faturamento na moeda nacional subiu 80%. Como a empresa foi ao extremo na busca por melhorar a produtividade na época do dólar baixo, consegue agora proveito bem maior.
— Pegou-nos em situação bastante privilegiada — diz Cezar Müller, diretor da empresa.
Para 2016, a expectativa do setor é crescer a receita pelo menos 10% em dólares, com avanço nos mercados dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia.
Brinde às vendas
Mesmo que o desafio possa ser maior em 2016 devido à quebra da safra da uva, as vinícolas encerram 2015 com bom aumento das vendas. Pela difusão dos benefícios à saúde, os sucos de uva naturais e integrais cada vez ganham mais espaço. No ano passado, a comercialização no mercado interno cresceu 30,5%. Ao mesmo tempo, o reconhecimento ao avanço da qualidade também impulsiona a venda de vinhos. Nos finos, a alta é de 2,6%. Nos espumantes, ainda maior, de 11,9%. Outra mão vem do câmbio, que inibe as importações.
— Temos várias vinícolas ampliando a capacidade e investindo em tecnologia para aumentar a produção — conta o vice-presidente do Instituto Brasileiro do Vinho, Oscar Ló.
No emprego, o copo do setor está mais cheio do que vazio. É uma das poucas áreas que está contratando e não demitindo, lembra Ló.
Subproduto da crise, a disparada do dólar fez o setor hoteleiro das praias gaúchas conseguir um lugar ao sol em meio ao tempo fechado da economia brasileira. A razão é a onda de argentinos, atraídos pelo câmbio mais favorável. Entre a metade de dezembro e o fim de janeiro, o número de hermanos que ingressaram no Estado pelos postos terrestres subiu 27% ante igual período anterior, mostra a Polícia Federal.
— Ficamos lotados desde o Natal até o fim de janeiro. Ficou até complicado acomodar tanta gente. Tivemos de despachar para outros hotéis e praias — conta Ivone Ferraz, empresária de Torres e presidente do Sindicato de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares do Litoral Norte.
Além dos estrangeiros, a crise estaria levando os gaúchos, que em época de economia mais aquecida estariam optando por Nordeste ou Santa Catarina, a permanecerem no Estado. O preço a lto da gasolina, avalia Ivone, inibiu viagens de carro mais longas. Mas o motivo de maior comemoração é a invasão hermana.
Dono de parque aquático e hotel em Capão da Canoa, o empresário Fabiano Brogni registrou ocupação de 94% de seus leitos entre o Natal e meados de janeiro. Ano passado, na mesma época, ficou em torno de 60%. Mesmo satisfeito com o movimento, o empresário lembra que os brasileiros estão mais receosos para gastar, o que aperta as margens do negócio.
— Não reclamo do movimento. O problema é o custo alto. Não estamos conseguindo repassar — diz.
Virada na celulose
Após oito anos sofrendo com a valorização do real, a indústria brasileira de celulose ganhou novo impulso com a disparada do dólar. Mais de 90% da produção do país é destinada ao Exterior, especialmente para a China. Apesar da desaceleração na segunda maior economia do mundo, a transição chinesa de um modelo de crescimento baseado nos investimentos e exportações para o consumo interno já traz efeitos positivos para o setor.
— Exportamos para a China principalmente celulose para papéis de higiene e limpeza, mas fraldas para bebê são o carro-chefe — afirma a presidente-executiva da Indústria Brasileira de Árvores, Elizabeth de Carvalhaes.
Mesmo que o câmbio tenha sido o principal vetor da recuperação, o impacto menor da perda de ritmo da economia chinesa não fez na celulose o mesmo estrago verificado em outras commodities. Ao contrário do petróleo e do minério de ferro, o preço em dólar não caiu e a demanda tende a seguir firme, também devido ao bom momento na procura pela celulose brasileira tanto nos EUA quanto na Europa. As exportações de celulose encerraram 2015 com alta de 5,8%, chegando a US$ 5,6 bilhões.
Do Exterior para a Serra
Não há grande motivo para euforia, mas a viagem para o Exterior mais cara com o dólar nas alturas também parece ter influenciado o movimento na principal região turística do Rio Grande do Sul. No período dos eventos relacionados ao Natal, hotéis e pousadas da Serra conseguiram manter a taxa de ocupação usual para a época, entre 85% e 90%.
Maior agência de viagem do país, a CVC registrou no ano passado aumento de 14% na quantidade de passageiros embarcados para a serra gaúcha em comparação a 2014, resultado obtido com estratégias como tarifas mais competitivas tanto para voos quanto hospedagens, maior oferta de leitos nas cidades e pacotes com menor número de dias de permanência.
O presidente do SindTur Serra Gaúcha, Fernando Boscardin, revela que, em média, as tarifas da rede hoteleira caíram 30% durante o período do Natal Luz, de Gramado, e o Sonho de Natal, de Canela. O perfil do turista também mudou, nota o empresário.
— O estacionamento do meu hotel está cheio de caminhonetes. Era um público que viajava mais para o Exterior e acabou ficando por aqui. Mas a classe C desapareceu — observa Boscardin.
Mesmo mantendo a taxa de ocupação, 2016 será de difícil travessia, alerta:
— Se conseguirmos pagar os custos e manter os funcionários já estaremos felizes. Para isso, vamos cortar custos, como diminuir a variedade do café da manhã, ou cobrar por serviços, como estacionamento.
Para fazer mais com menos
A mais recente pesquisa sobre o desempenho do setor de serviços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostra que tecnologia da informação é o único entre os segmentos analisados ainda com desempenho positivo no país.
Até novembro de 2015, cresceu 3,3% em 12 meses e 4% no ano. Claro que seria ainda melhor se a economia estivesse bombando, mas, em períodos de crise, as empresas também buscam as companhias do setor na tentativa de melhor atravessar a turbulência.
— As ferramentas de tecnologia ajudam as empresas a evitarem retrabalho, ganhar produtividade e fazer mais com menos — explica Letícia Batistela, presidente da regional gaúcha da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, Software e Internet.
CEO da Processor, Cesar Leite lembra que após as corporações terem inchado muito nos tempos de bonança, chegou a hora de repensar processos e, em dias de economia deprimida, com a busca pela redução máxima de custos, a palavra-chave é produtividade.
— Assim é possível minimizar impactos de fatores como crise política, econômica e câmbio — diz Leite, citando soluções em nuvem e big data como exemplos que ajudam empresas a diminuírem custos e centrar foco no seu negócio.
Em plena recessão, a Processor, de Porto Alegre, cresceu 24% em 2015. Para este ano, a meta é 20%.
Opção mais barata
A carne de frango, proteína animal mais exportada pelo Brasil, não teve o empurrão apenas do câmbio em 2015. Além das vendas externas mais facilitadas pela alta da moeda americana, a ocorrência de gripe aviária nos Estados Unidos fechou mercados para o maior competidor do Brasil, o que ajudou o volume embarcado a subir 5,8% ano passado, para 4,2 milhões de toneladas. Mesmo assim, a queda dos preços internacionais fez a receita em dólar cair 10,9%, chegando a US$ 7,07 bilhões.
No mercado interno, o consumo pode subir até 2% neste ano, aponta relatório do Rabobank, banco de origem holandesa especializado em agronegócio. A causa seria a concorrência com a carne bovina, mais cara, em um momento em que a recessão da economia nacional encolhe a renda do brasileiro.
— Na comparação com outros setores, não encolher já é um grande resultado. Estamos resistindo à crise, por enquanto — pondera o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura, Nestor Freiberger, lembrando que há o aumento dos gastos com milho e soja, maior fonte de custos do setor.
Dados da Associação Brasileira de Proteína Animal mostram que a produção brasileira subiu 3,58% no ano passado, o que consolidou o país como vice-líder mundial de carne de frango.