O calor atípico que atingiu o Estado nos primeiros dias de agosto do ano passado não enganou apenas os ipês-roxos e amarelos que floresceram um mês e meio antes da chegada oficial da primavera. Confundiu também as abelhas, que com a temperatura mais elevada, entenderam que a estação do frio já havia ido embora e voltaram a se reproduzir em grande escala.
A chuva, o vento e o frio, que voltaram intensos poucas semanas depois, pegaram as colmeias superlotadas em pleno inverno desprovidas de alimentos e o resultado não foi nem um pouco doce: queda de quase 80% na produção de mel no Rio Grande do Sul. A esperança está depositada agora na segunda metade do ano apícola.
A produção de mel branco (de sabor mais suave) em cidades como Cambará do Sul, São José dos Ausentes e Bom Jesus também foi prejudicada pelo clima adverso. Tradicionalmente produzido entre dezembro e janeiro, a quebra estimada é de 50%.
Ano safra começa em julho no Estado
O calendário funciona de maneira um pouco diferente para os produtores de mel. Em vez de janeiro, o ano para os apicultores começa em julho. É quando as colmeias, devido ao frio, diminuem o ritmo de trabalho, e de reprodução, para aguardar a chegada da estação das flores. O desalinhamento causado pelo El Niño, causou a mortandade de 50% das abelhas e afetou a produtividade dos enxames que sobreviveram. Em anos considerados normais, a taxa de mortalidade esperada é de até 15%. A expectativa é recuperar pelo menos parte da produção na florada de verão-outono, que começa neste mês. Apicultores que deslocam as colmeias à procura de flores têm como destino mais comum os bosques de eucaliptos. Se o clima permanecer firme, será possível repovoar as colmeias antes de o inverno chegar outra vez.
– Os apicultores espalham caixas vazias que foram perdidas na primavera e os enxames voltam a ocupar de forma natural, produzindo mel em cerca de 60 dias. Basta limpar bem, pôr lâminas de cera nova, deixar bem atrativa e os enxames entram de novo. É uma característica das abelhas que temos no Estado – explica Aroni Sattler, professor de Apicultura da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
No Hemisfério Norte, em países como Estados Unidos e Canadá, quando o clima prejudica as colmeias, produtores são obrigados a importar abelhas da Nova Zelândia e Austrália.
Agrotóxicos também prejudicam
Não é só o clima que tem afetado as colônias. O uso de inseticidas e fungicidas prejudica a sobrevivência dos enxames. Desenvolvidos para acabar com as pragas, a maioria dos agroquímicos intoxica também insetos polinizadores. Tanto abelhas adultas quanto suas crias, alimentadas na colmeia com pólen contaminado dos pomares e lavouras, são dizimadas. Aquelas que não apresentam sintomas logo após a exposição ao veneno acabam sofrendo com toxicidade “crônica”. Com o tempo, ficam desorientadas pelo químico.
O avanço das plantações de soja na Metade Sul acende o sinal de alerta. As lavouras, que recebem grande quantidade de agrotóxicos, segundo pesquisadores da área, são atrativas para as abelhas.
– A soja em si não é um problema, mas a maneira como é cultivada. Além da contaminação química, as lavouras não respeitam os bosques na borda de cultivo, que é um habitat natural dos insetos – afirma Luis Fernando Wolff, pesquisador em apicultura, meliponicultura e polinização da Embrapa Clima Temperado.