Para surpresa até dos organizadores, a Agrishow, uma das principais feiras do agronegócio realizada em Ribeirão Preto (SP), encerrou com volume de negócios superior ao de 2015: R$ 1,95 bilhão, ante R$ 1,9 bilhão. O valor confirma que os produtores foram às compras com a possibilidade de um novo ajuste fiscal nas contas do governo e, consequentemente, a redução da equalização da taxa de juros pelo Tesouro Nacional. O receio é de que o custo dos financiamentos para aquisição de tratores e colheitadeiras fique maior a partir dos próximos meses.
Esse foi um dos principais fatores que levaram o produtor Ronival Stahl, de Águas de Santa Bárbara, no interior de São Paulo, a buscar na feira deste ano um trator e uma plantadeira. Dono de uma propriedade de 120 hectares, Stahl arrenda outros 380 hectares, onde planta citros, soja e milho.
Para a próxima safra, ele conta que optou por arrendar mais 120 hectares e, com medo de que o juro ficasse mais salgado, viajou 300 quilômetros até a Agrishow para negociar a aquisição dos equipamentos. A quitação será em oito anos, com carência de 12 meses até a primeira parcela. A taxa foi de 7,5%.
O produtor diz que não costumava ter tanto interesse por política, mas, com as "confusões em Brasília", não perde mais o noticiário nacional. Entre as preocupações está o comportamento do câmbio. A desvalorização do real frente ao dólar elevou o custo dos insumos, mas ajudou nas exportações.
— Depois de subir, o dólar voltou a cair muito mês passado. O valor da soja está um pouco melhor, então achei que fosse o momento para comprar — resume.
Para Francisco Matturro, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), "a hora de comprar é agora". Presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Junqueira, diz não acreditar em uma mudança brusca na política voltada ao setor mesmo em uma eventual troca de governo. Avalia que os recursos voltados para os produtores até poderiam ser reduzidos em um cenário de contenção de despesas.
— Se diminui o risco, o custo do capital começa a ficar, naturalmente, mais baixo. As instituições financeiras privadas começam a operar de maneira saudável, oferecendo mais crédito. A palavra-chave é segurança jurídica — explica.
Modernização do parque fabril
Carlos Pastoriza, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), conta que a entidade vai levar ao ministério um programa ¿ambicioso¿ para modernizar o parque fabril em até oito anos, prevendo incentivos fiscais:
— O momento é de ajuste nas contas públicas, mas é importante que, independentemente de quem venha a assumir o governo, isso esteja no horizonte — diz Pastoriza.
Para as grandes empresas de máquinas, a Agrishow funcionou como termômetro para as vendas no ano. Nenhuma revela números — informação valiosa em um mercado tão competitivo — mas ninguém falava em aumentar o volume de negócios. O aumento de custos pela alta da energia e do preço pago pela importação de peças foi repassado para os produtos, mas "em escala bem menor devido à recessão", garante o italiano Mirco Romagnoli, vice-presidente da Case IH para a América Latina:
— Se repetirmos o desempenho de 2015, será muito bom. A boa notícia é que ganhamos mercado em relação aos concorrentes.
Diretor de Marketing da Case IH para América Latina, Christiano Gonzalez, diz que para não deixar de investir e também não repassar totalmente o custo aos clientes, a opção foi cortar ¿da porta para dentro¿. Romagnoli cita que as medidas de ajuste atingiram os bônus recebidos pela diretoria da empresa, entre outras ações.
Para Alessandro Maritano, vice-presidente da New Holland para América Latina, assim como a Case IH, empresa integrante do Grupo CNH, com tal cenário fica difícil projetar sobre o futuro, ¿a única certeza é que o agronegócio será o segmento que vai sofrer menos com a crise¿.
Expansão da área motiva aquisições
Renato (E), Márcio (D) e o pai, Walter Duch, equiparam propriedades em MS e PRFoto: Divulgação / Fotocongresso
Dono de propriedades no Mato Grosso do Sul e no Paraná, que juntas somam 9 mil hectares, o produtor Walter Duch comprou uma colheitadeira, um trator e uma plantadeira. Acompanhado dos filhos Marcio Duch, 32 anos, e Renato Duch, 30, que ajudam a administrar as fazendas — um em cada Estado — o produtor rural viaja há pelo menos 10 anos para Ribeirão Preto em busca de novidades na área de tecnologia.
Neste ano, porém, não fosse o aumento da área plantada, as aquisições seriam possivelmente adiadas, afirma. Preocupado com a situação política do país, Duch garante confiar na força do agronegócio brasileiro, mas confessa certo temor com um provável aumento na taxa de juro dos financiamentos de máquinas. As perspectivas de que o governo eleve os percentuais ou diminua os recursos para financiamentos, preocupa:
— Se as taxas continuarem subindo não vai dar para comprar mais através de financiamento. Aí o melhor vai ser aguardar mais para comprar com dinheiro próprio.
Condições mais favoráveis
Para não repetir uma retração brusca nas vendas, como no ano passado, instituições financeiras das grandes fabricantes de máquinas lançam mão de condições favoráveis para a agricultura familiar e passam a mirar ainda mais os pequenos produtores.
Com mais uma safra recorde e uma retomada dos preços internacionais das commodities agrícolas a caminho, os bancos ainda veem potencial de crescimento nos negócios ao longo do ano.
O crédito direto com as montadoras costuma vir para complementar o montante tomado com outras instituições financeiras na hora de investir.
A norte-americana John Deere anunciou o início das operações de sua instituição financeira por meio da linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) Mais Alimentos. Diretor de vendas da marca no Brasil, Rodrigo Junqueira acredita que 2016 será um ano de estabilidade nas vendas.
Já o Banco CNH — que financia fabricantes de máquinas agrícolas Case IH e New Holland, do grupo CNH Industrial — confirmou a ampliação de três anos no financiamento voltado para a agricultura familiar, que passa de cinco para oito anos e a adoção de parcelas de valores mais baixos. No Brasil, o grupo aposta no programa ¿Meu Primeiro Case¿, que traz condições favoráveis para a aquisição de tratores com menor potência.
O superintendente-executivo de Agronegócios do Santander, Carlos Aguiar, afirma que o objetivo é ampliar a participação do banco na oferta de linhas com juro livre, já que não há perspectiva de que recursos do crédito rural sejam realocados para as instituições privadas.
Para isso, o banco estabeleceu parceria com as fabricantes de máquinas Jacto, Valtra, Massey Ferguson, CNH Industrial e John Deere para complementar os bancos de montadora e reduzir o tempo de concessão de crédito. A Jacto é a única que não atua com instituição financeira própria.
Dos R$ 38 bilhões da carteira direcionados ao agronegócio, R$ 5 bilhões vêm de programas do crédito rural. Para a feira, o Santander levou R$ 850 milhões em crédito pré-aprovado, volume 95% maior que os R$ 436 milhões captados pelo banco na edição de 2015 do evento.
— A economia está passando por uma crise, o agronegócio não — disse Aguiar.
Com a maior fatia do crédito do segmento, o Banco do Brasil colocou à disposição dos produtores, na Agrishow, um volume de R$ 536 milhões.