Quando a economia brasileira deu sinais de recessão, a indústria de manufaturados já pedia socorro há mais de uma década. A contribuição do setor para o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu nos últimos quinze anos, de 15,1% em 2000 para 9% em 2015. Em Caxias do Sul, a indústria de transformação registrou 11, 4 mil postos fechados nos últimos 12 meses. Nos primeiros quatro meses deste ano, o setor voltou a liderar o ranking de fechamentos, 1.688 postos a menos.
A supervalorização do real em relação ao dólar durante o boom das commodities causou um aumento no consumo de produtos importados, desestabilizando a balança comercial no país. Os custos de produção, que já eram altos, ficaram ainda maiores. Os produtos brasileiros perderam competitividade e os especialistas começaram a falar em desindustrialização.
Com a crise econômica e a situação internacional desfavorável, houve desvalorização significativa do real, o que deu à indústria algum espaço para respirar. Na Serra gaúcha favoreceu principalmente o comércio de vestuário. Os produtos importados desapareceram das prateleiras dando lugar à produção local.
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Mas o cenário negativo afetou os investimentos e causou uma queda na demanda por produtos industrializados. A crise política tornou mais grave a situação, gerando incerteza sobre a capacidade das lideranças de colocar a economia nos eixos. A indústria, já abatida, teve que se adaptar da pior forma possível: cortou gastos e demitiu funcionários. Caxias encerrou o primeiro quadrimestre de 2016 com 14.852 desempregados.
Embora as exportações em Caxias tenham esboçado uma pequena reação, o presidente do Simecs, Getúlio Fonseca, diz que a demanda no setor metalmecânico continua baixa.
— O dinheiro sumiu do mercado — enfatiza.
Queda na produção
A taxa de desemprego atingiu 10,9% no primeiro trimestre deste ano, um aumento de 3% em relação ao mesmo período do ano passado. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a indústria manufatureira demitiu mais de 600 mil pessoas em 2015. Em segundo ficou o setor da construção (416 mil demissões), seguido pelo setor de serviços (276 mil demissões).
Em fevereiro, por exemplo, a produção industrial caiu 9,8% em relação ao mesmo período do ano passado, a 23ª queda consecutiva. O diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, diz que a maioria dos setores industriais foram afetados pela crise, com destaque para os setores de veículos, bens de capital, computadores e produtos eletrônicos. A indústria de máquinas e equipamentos, parte fundamental do setor de bens de capital, opera com apenas 65% da capacidade, o menor nível desde 1999.
Em 2015, 16,6% mais empresas foram à falência no Brasil em comparação ao ano anterior, incluindo a indústria, o comércio e o setor de serviços. Este é o maior aumento desde 2005, quando mudanças foram introduzidas na Lei de Falências. A previsão para este ano é ainda pior: pesquisadores do Serasa Experian calculam que cerca de 1,8 mil firmas fecharão as portas este ano, um aumento de 39% em relação ao ano passado.
A desconfiança
Dados da CNI mostram que a confiança do empresariado caiu para 36,2 em abril, bem abaixo da média histórica de 54,4 pontos. Para Fernandes, enquanto não houver clareza sobre as políticas econômicas a serem adotadas pelo governo interino, a situação não vai melhorar. A recessão prolongada torna difícil a recuperação, pois esgota a capacidade financeira de empresas carentes de capital e de crédito.Fernandes enfatiza que problemas históricos têm atrapalhado o crescimento da economia brasileira e não são segredo para ninguém.
— São questões debatidas há décadas — diz.
A redução da burocracia no ambiente de negócios e a reforma do sistema tributário estão entre as prioridades na agenda do setor produtivo, que todos os anos encaminha para o Congresso Nacional um documento com as pautas importantes para o desenvolvimento do país.
Na última edição do relatório global Doing Business, publicado pelo Banco Mundial, o Brasil aparece na posição 116 de 183 países analisados, o que significa que está entre os piores do mundo para se fazer negócios. Abrir uma empresa no Brasil requer 11 procedimentos diferentes e pode levar até três meses. De acordo com o relatório, companhias gastam em média 2.600 horas por ano - 10 horas por dia útil - preenchendo formulários, preparando papéis e pagando impostos, que podem chegar a mais de 69% dos lucros.
Para o ex-diretor do Banco Mundial e professor adjunto da Fundação Dom Cabral, Carlos Primo Braga, a economia deve reagir positivamente assim que o país retomar a estabilidade política. Mas se o Brasil quiser alcançar um crescimento sustentado, diz ele, terá que promover as reformas adiadas há décadas.
— Temos que qualificar a nossa mão de obra para as necessidades de uma economia moderna. Criar incentivos para que as indústrias possam investir em pesquisa e desenvolvimento e precisamos de um ambiente de negócios que valorize a competitividade, com menos burocracia, menos custos e melhor condições de infraestrutura.
* Com Agência Estado
Criatividade para superar a crise
Em tempos de recessão e desemprego, os brasileiros perderam a confiança na economia e pararam de gastar dinheiro. Depois de anos em alta, o consumo das famílias foi atingido pela crise e caiu 4% em 2015, afetando os negócios em todo o país, de grandes indústrias a pequenos empreendimentos. A cabeleireira Gabriela Schumann, 29 anos, viu o número de clientes reduzir no pequeno salão de beleza em que trabalhava no bairro Cohab, em Caxias do Sul.
Há um mês, em meio a crise, apostou todas as fichas na ampliação do negócio. Mudou de endereço e arriscou o investimento de R$ 21 mil. Localizada em um bairro movimentado (São José), a estética Charlot Hair é um negócio com grandes chances de dar certo.
— Já está dando. Em um ano pretendo recuperar o investimento — assegura a proprietária Gabriela.
A empresária ampliou o espaço físico, a equipe de trabalho e os serviços oferecidos. Oito profissionais garantem qualidade em atividades que vão da depilação egípcia e a laser à criolipolise, uma técnica que reduz a gordura localizada. O faturamento chega a R$ 30 mil por mês. Cerca de 200 pessoas por semana passam pelo local. O número já foi maior, mas Gabriela já pensa em aumentar a gama de serviços.
— Meu projeto inclui uma barbearia e uma loja de cosméticos — ressalta.
Outro ponto a favor de Gabriela é lidar com a autoestima feminina. Esse talvez seja o principal motivo do segmento não ter sentindo tanto a crise.
— A boa aparência é uma necessidade para a mulher que está no mercado de trabalho.
O vinho que faz a diferença
Assim como Gabriela, os amigos e empresários Arlindo Menoncin, 33, e Leonardo Curra, 30, apostaram na criatividade para melhorar seu negócio. Há seis meses, no auge da crise, mudaram sua empresa de endereço e diversificaram a gama de produtos.
A GranVin Casa de Vinhos saiu de Flores da Cunha, onde atuou há 10 anos, e se estabeleceu na área central de Caxias. O investimento ultrapassou os R$ 400 mil. Resultado: as vendas cresceram 15%.
A GranVin é uma casa especializa em vinhos diferentes. Dos mais diversos países, incluindo Bulgária e Peru. Trabalha com distribuição e varejo.
—Não tem um negócio parecido no Estado—aposta Menoncin.
— O consumidor quer novidades, novas opções. É nisso que apostamos — diz Curra.
Netos de produtores de vinhos, o segredo, segundo os sócios, é oferecer o produto certo para cada cliente ou evento.
— Entendemos de vinho. Fomos criados em vinícolas. É isso que sabemos fazer — asseguram.
Para abrir o negócio em Caxias, Curra investiu em cursos e viagens pela Europa para entender mais sobre os mistérios do vinho. Menoncin se formou em Enologia, é somelier o é autor do projeto Qualidade na Taça.
— Não sabemos fazer outra coisa. Acreditamos no negócio e fazemos ele dar certo.