A alta no desemprego decorrente da crise econômica tem provocado a multiplicação de ações trabalhistas e sobrecarregado a Justiça no Rio Grande do Sul. Nos primeiros quatro meses do ano, a quantidade de novos processos no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) cresceu 18% em comparação com igual período de 2014, quando a economia ainda exibia fôlego. Essa elevação, em contraste com a escassez de verbas e servidores da Corte, faz com que o tempo médio de tramitação e o estoque de ações à espera de sentença venham aumentando no Estado.
A onda de processos já ampliou em um mês e meio o tempo médio de espera por uma sentença — era de 228 dias em 2014 e passou a ser de 273 dias no final do ano passado. Os juízes ampliaram em 8% o número de casos analisados nesse intervalo, mas o ganho de produtividade não foi suficiente para compensar o crescimento da demanda. Como resultado, o passivo de ações em fase de conhecimento (sem julgamento) não para de avançar: saltou de 133 mil no final do ano passado para 143 mil em abril.
— Os juízes têm julgado mais, apesar das nossas dificuldades, como cortes no orçamento e falta de pessoal. Mas não é o suficiente para segurar o crescimento desse passivo — observa a presidente do TRT da 4ª Região, desembargadora Beatriz Renck.
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Entre as razões para isso, segundo Beatriz, está a disparada do desemprego. A taxa de desocupação saltou de 6,4%, em janeiro de 2014, para 11,2% em abril deste ano. Muitos trabalhadores procuram a Justiça após a demissão para cobrar direitos que consideram terem sido negligenciados. Morador de Porto Alegre, Paulo Roberto Azzolin, 44 anos, é um dos que perderam o serviço nos últimos meses e ingressaram com ação contra o antigo empregador. O ex-funcionário de uma indústria, demitido em fevereiro, reclama pagamento de insalubridade e horas extras.
— Fui vítima da crise e resolvi buscar meus direitos. Dia 21 de junho, deve ocorrer a primeira audiência — afirma Azzolin.
Enquanto a ação tramita, ele procura se tornar seu próprio patrão. Adquiriu equipamentos e pretende abrir um negócio de venda de frango assado na Zona Norte.
Mas os motivos apontados para a corrida aos tribunais não se esgotam na crise econômica. Beatriz cita outros fatores para o cenário atual, como a facilidade de ingressar com ações devido à informatização da Justiça e o desrespeito à legislação trabalhista provocado, em muitos casos, por empresas terceirizadas.
— Muitas dessas firmas não têm patrimônio e fecham as portas de uma hora para a outra sem atender aos direitos mais básicos — comenta a desembargadora.
O advogado José Otávio Crespo acrescenta que há uma conscientização cada vez maior dos trabalhadores a respeito de seus direitos, o que também ajuda a explicar uma maior procura pela Justiça mesmo antes da crise. O número de novos processos no 1º grau cresceu 50% entre 2010 e o ano passado. O desemprego amplificou ainda mais essa tendência.
— Hoje, até as redes sociais são uma grande fonte de conhecimento sobre direitos — comenta Crespo.
A situação deve continuar se agravando pelos próximos meses e, segundo o advogado trabalhista Luiz Cesar Ayub, também professor de Direito na UniRitter e na Feevale, pode se prolongar mesmo depois do auge da crise.
— Muitas pessoas deixam para entrar na Justiça contra o ex-empregador depois de encontrar um novo trabalho, até por algum receio de que isso possa dificultar a busca pelo novo emprego. Nesse caso, o número de ações deverá aumentar mesmo quando o desemprego diminuir — cogita Ayub.
Tribunal gaúcho enfrenta cortes de recursos e falta de pessoal
A crise econômica provoca um duplo impacto sobre a Justiça do Trabalho: ao mesmo tempo em que aumenta a demanda, ao estimular mais processos, dificulta sua operação ao restringir nomeações de servidores e desidratar o orçamento destinado a custeio e investimentos.
O TRT gaúcho sofreu corte de 37% no orçamento proposto originalmente de R$ 57 milhões para custeio (não inclui salários) e de 90% na verba de R$ 45,4 milhões pretendida para investimentos em áreas como novos prédios. A presidente do tribunal, Beatriz Renck, se queixa de "discriminação" no orçamento federal em relação ao segmento trabalhista, já que, segundo ela, a redução sofrida pela Justiça Federal em geral teria ficado em 15% do recurso destinado a custeio.
— É preciso levar em conta que, em 2015, as ações julgadas pelo tribunal geraram um recolhimento de R$ 197 milhões para o INSS e de R$ 50,4 milhões em Imposto de Renda — sustenta a desembargadora.
Como resultado do aperto financeiro, foram tomadas medidas emergenciais de economia, como redução de serviços de limpeza e segurança. Além disso, faltam 31 juízes para completar o quadro ideal de magistrados nas 132 varas existentes hoje no Estado. O tribunal aguarda, ainda, autorização para nomear 73 servidores a fim de compensar saídas por aposentadoria.
O relator do orçamento no Congresso foi o atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR). No momento, o TRT busca apoio de parlamentares para liberar verbas, mas não há sinalização de Brasília de que o cinto será afrouxado.
Semana de conciliação em 65 cidades
Entre 13 e 17 de junho, trabalhadores ou empregadores interessados em resolver pendências por meio de conciliação poderão agendar audiência na 2ª Semana Nacional da Conciliação Trabalhista. No Rio Grande do Sul, unidades da Justiça do Trabalho presentes em 65 cidades vão participar do mutirão para receber processos com possibilidade de acordo em qualquer fase de tramitação, de 1º ou 2º grau.
Os interessados em fazer acordo com a outra parte (sejam trabalhadores ou empregadores) podem solicitar uma audiência para essa programação por meio de um formulário disponível no site do TRT do Rio Grande do Sul — www.trt4.jus.br. O tribunal recomenda que o solicitante procure auxílio de seu advogado para encaminhar o pedido. Caso a negociação termine em impasse, será retomada a tramitação normal do processo.
Os pedidos enviados pelo formulário do site serão analisados pelas varas do Trabalho e postos avançados onde tramitam os processos. As unidades darão retorno aos solicitantes sobre o agendamento das audiências. Se a ação já estiver na segunda instância, os pedidos serão recebidos e analisados pelo Juízo Auxiliar de Conciliação, Execução e Precatórios (Jacep) do TRT. Mais informações estão disponíveis no site do tribunal.