Cerca de uma década depois de o conceito de integração lavoura-pecuária-floresta no país (ILPF) começar a se espalhar pelo Brasil a partir da instalação incentivada pela Embrapa de unidades de referência planejadas para irradiarem as melhores práticas, uma pesquisa a ser divulgada nos próximos dias mostrará o nível de adesão ao sistema no país. A estratégia que une as atividades - ou pelo menos duas delas — em uma mesma área seduz número cada vez maior de produtores pelos resultados que apresenta, potencializando a rentabilidade das propriedades. Hoje, alcançaria até dois milhões de hectares no Brasil. Empregada de forma consorciada, em sucessão ou rotação em busca de benefícios mútuos para os cultivos e criações, a ILPF tem no Rio Grande do Sul um dos Estados onde mais cresce a adoção do sistema.
O empresário e produtor de sementes Ruben Kudiess, de Chiapetta, é um exemplo de aumento da produtividade e de receita com a adoção do sistema. Além da agricultura, Kudiess se dedicava à pecuária de corte, mas em uma porção de apenas 15% da área da propriedade de 1,03 mil hectares que toca com um irmão. Com a adoção do trigo de duplo propósito, que possibilita pastejo para o gado no inverno e ainda produz grãos no final do ciclo, impulsiona o resultado financeiro e consegue se proteger de prejuízos em caso de eventos climáticos nada raros que costumam impor perdas à cultura - como geadas tardias ou excesso de chuva no período que antecede à colheita.
— A avaliação é que a rentabilidade subiu mais de 100%. E nos livrou do prejuízo devido ao risco climático, porque quando o gado sai do trigo, já pagou a lavoura e deixou um pequeno lucro — conta Kudiess, que esperava um ganho de até 200 quilos de boi por hectare, mas acabou obtendo quase 350 em uma janela de até 70 dias em que os animais ficam na lavoura.
Sem prejudicar as lavouras de grãos de verão, Kudiess também começa a quebrar um paradigma na região, onde a grande aptidão das terras para a agricultura limita a pecuária de corte. Prepara uma mudança de sistema. Antes, comprava terneiros ou bois magros para engordar. Agora, vai partir para o ciclo completo, com cria, recria e terminação.
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Segundo o diretor-executivo da Rede de Fomento ILPF, William Marchió, mais do que turbinar o potencial de ganhos das propriedades, a diversificação mitiga os riscos no caso de uma das culturas ou atividades ter problemas por fatores climáticos ou de mercado. Em grande parte do Brasil, onde as condições agroclimáticas são favoráveis, além de uma segunda safra de grãos já é possível ter o equivalente a uma terceira ligada à pecuária.
— A grosso modo, nas fazendas que fazem a integração, a receita líquida por hectare sobe de duas a três vezes. E não é apenas pelo sistema de produção, mas pelo choque de gestão. Como é uma atividade mais complexa, o produtor passa a ter mais controle e se envolver mais. Tudo isso é muito benéfico — avalia Marchió.
Coordenador do projeto ILPF para o Estado e Santa Catarina, o pesquisador Renato Fontaneli, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, chama a atenção para o grande potencial de produção tanto de leite quanto de carne no Norte do Rio Grande do Sul. Na região, durante o inverno são cultivados cerca de 6,4 milhões de hectares, mas menos de 20% com grãos, enquanto grande parte da área recebe forrageiras utilizadas para cobertura no sistema de plantio direto, como azevém ou aveia preta, o que seria uma grande oportunidade para engordar novilhos ou alimentar vacas leiteiras.
— Tem produtor que é avesso (a colocar gado nessas áreas) por receio de compactação do solo, mas hoje temos conhecimento dos limites para que isso seja evitado, com o manejo correto das pastagens — observa Fontaneli.
No caso da pecuária de corte, a conta final é simples, mostra o pesquisador. A cada inverno, é possível obter uma renda equivalente a até 30 sacas de soja.
É como se, a cada dois anos, o produtor conseguisse uma safra extra do grão.
O potencial dos ganhos
Na metade Norte do Estado, apenas 20% da área usada no verão para culturas como soja e milho é utilizada no inverno para produção de grãos.
Em regra, a maior parte da área recebe no inverno cobertura vegetal como aveia preta e azevém.
Ambas são consideradas de excelente valor nutritivo para bovinos e suportariam de dois a quatro novilhos ou 1,5 a duas vacas leiteiras por hectare.
Pecuária de corte
Apenas 100 dias de pastejo, entre junho e setembro, poderiam significar um potencial de renda bruta de R$ 1 mil a R$ 2 mil por hectare.
A conta leva em consideração que cada novilho teria, ao dia, um quilo de ganho de peso. Com isso, nos 100 dias seriam 200 a 400 quilos por hectare.
Chega-se ao valor de R$ 1 mil a R$ 2 mil com a multiplicação dos 200 a 400 quilos pelo preço de R$ 5,00 por quilo vivo. Seria equivalente a algo entre 15 e 30 sacas de soja.
Produção de leite
Nos mesmos 100 dias de pastejo, a renda potencial poderia chegar a R$ 3 mil por hectare.
O cálculo considera 1,5 a duas vacas por hectare, com a produção de 14 litros por animal, o que significaria cerca de 20 a 30 litros por dia. Nos 100 dias de pastejo, seriam produzidos de 2 mil a 3 mil litros por hectare.
O valor de R$ 2 mil a 3 mil resulta do volume multiplicado pelo preço do litro pago ao produtor (de cerca de R$ 1,00).
O faturamento seria semelhante à comercialização de 30 a 45 sacas de soja.
A adoção em larga escala de sistemas que integram lavouras, pecuária e floresta vai contribuir para mitigar um problema ambiental no país e ao mesmo tempo pode ser decisivo para ajudar a alimentar o mundo nas próximas décadas. O diretor-executivo da Rede de Fomento ILPF, William Marchió lembra que estimativas indicam que a população planetária vai pular das 7 bilhões de pessoas hoje para mais de 9 bilhões até 2050. As projeções da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) são de que será necessário produzir 70% mais de alimentos e mais da metade deste acréscimo viria do Brasil, o que força o país a empreender uma revolução de produtividade no agronegócio nos próximos anos.
A adoção de produção integrada também pode ajudar o Brasil a recuperar pastagens degradadas. O país soma hoje 169 milhões de hectares de pastagens e entre 50 e 60 milhões de hectares estariam em más condições - área semelhante a que o país planta hoje com grãos.
— Se isso fosse recuperado, é como se tivéssemos um novo Brasil agrícola em potencial, sem precisar desmatar — observa Marchió.
No Estado, lembra Renato Fontaneli, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo, o casamento de lavoura e criação já existe há décadas na pecuária leiteira. Na Metade Sul, as plantações de arroz também já são de certa forma associadas à produção de gado de corte, mas a expansão da soja na região abre a possibilidade de alavancar os cultivos de inverno e, com isso, acelerar e aumentar a terminação de novilhos.