Com a economia encolhendo por seis trimestres consecutivos, a presidente cassada Dilma Rousseff deixa o Planalto sem conseguir que o Produto Interno Bruto (PIB) ficasse no campo positivo durante o segundo mandato. O recuo de 0,6% de abril a junho em relação ao primeiro trimestre, divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou sinais de recuperação da indústria e dos investimentos, ainda em bases muito baixas, em meio à queda do consumo das famílias, do setor de serviços e da agricultura.
Ao mesmo tempo, o resultado aponta os desafios que precisarão ser enfrentados por Michel Temer. Segundo analistas, deixa dois recados bem claros para o agora presidente: expectativas não serão suficientes para reanimar a economia e, sem ações práticas, corre-se o risco de mais dois anos de paralisia. No primeiro semestre, a retração do PIB foi de 4,6%.
Ao avançar após 10 trimestres de queda, a taxa de investimento indica que a expectativa de empresários em relação ao futuro voltou a ser positiva. O dado – alta de 0,4% –, já era esperado após o crescimento, nos últimos três meses, dos índices de confiança em diversos setores. A troca no Palácio do Planalto em maio, no entanto, não teria sido a única razão:
— Desde o início do ano já vínhamos vendo uma 'despiora' da taxa de investimento em bens de capital, baseada principalmente no câmbio favorável. Agora conseguimos passar para o azul, o que não significa que a situação está solucionada. O otimismo está ainda muito em cima de expectativas e pouco em resultado. Até o momento, não foi feito o ajuste nas contas – ressalta Rafael Bacciotti, economista da Tendências Consultoria.
Setores com maior peso para a economia brasileira, o de serviços (pela ótica da produção) e o consumo das famílias (pela ótica da demanda) continuam em queda há cinco e seis trimestres, respectivamente. Para alavancar os dois indicadores será preciso antes criar postos de trabalho, reduzir a inflação e disponibilizar mais crédito para as famílias e, assim, aumentar a renda e estimular o consumo.
— São realidades que não mudam em meia dúzia de dias, mas são construídas no dia a dia, com aumento da confiança e adoção de políticas de Estado adequadas. Nos dois casos, precisaremos de reformas grandes. O primeiro com foco em infraestrutura e o segundo nas finanças públicas, com racionalização de gastos – afirma a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ) Virene Matesco.
Pequeno avanço da indústria mostra fragilidade do setor
Em meio a resultados ruins, um sinal positivo nos números do PIB chamou atenção. A indústria voltou a crescer após cinco trimestres de queda. Os patamares de produção, no entanto, seguem ainda bem abaixo do período pré-crise.
Economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin afirma que ainda é cedo para falar em recuperação da indústria e prefere apontar "moderação da crise".
– Pode ser um ponto isolado na curva se não vier acompanhada das reformas prometidas por Temer quando ainda era interino – avalia.
O avanço, de 0,3% entre abril e junho, comprova a melhora observada nos índices de produção industrial, mas é considerado frágil. A participação do setor na economia, hoje de 22,7%, é quase cinco pontos percentuais menor do que o observado no mesmo período em 2010, quando era de 27,4%. Um das razões para a retomada foi a redução de mercadorias encalhadas, que havia forçado segmentos da indústria a reduzir sua produção ao longo de 2015 e do início de 2016.
– A reação é um alento, mas não será duradoura se outros setores não conseguirem recuperação. Boa parte desse avanço acontece porque estávamos em patamares muito baixos – afirma Matesco.
Controlar 'rebeldias' no Congresso para aprovar reformas
Temer assume em definitivo o comando do país com um propósito central: ser o condutor da recuperação da economia. A capacidade de por fim à recessão que assola o Brasil há dois anos é que legitimará ou não o governo do vice que se tornou presidente.
Para concretizar o plano, a aposta é focar esforços em reformas em três diferentes áreas: fiscal, previdenciária e trabalhista. Somadas a um pesado plano de concessões e privatizações, a meta é deixar um legado positivo para a própria biografia.
Em um governo curto, com dois anos e quatro meses de duração, Temer não dispõe de tempo para erros. Livre da condição de interino, um dos seus desafios para efetivar a agenda de reformas, recheada de pontos polêmicos, será manter coesa a base no Congresso, que terá de aprovar as mudanças no limite de gastos públicos, nas aposentadorias e nas relações trabalhistas.
– Será uma briga mais dura do que essa para aprovar o impeachment – reconhece o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que atua na linha de frente das articulações do governo Temer no Senado.
Apesar de ter demonstrado força nas votações que consumaram a cassação de Dilma Rousseff, o presidente recém-empossado sabe que terá deserções entre seus aliados. Precisará conter a rebeldia do centrão, bloco que era comandado por Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e que ainda não digeriu a eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidência da Câmara. Também será necessário lidar com o PT, de volta à oposição depois de 13 anos e oito meses no poder. Em um cenário que exigirá muita articulação, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, confia que terá o apoio de deputados e senadores.
– O grande desafio do governo Temer é fazer o Brasil voltar a crescer na economia para gerar os empregos e as receitas públicas indispensáveis. Para tanto, faz-se necessário conter a dívida pública e promover as reformas previdenciária e trabalhista. A PEC (proposta de emenda à Constituição) dos gastos está na Câmara. Sobre as demais reformas, um grupo de trabalho formado por Fazenda, Planejamento e Casa Civil apresentará as propostas ao presidente ainda em setembro – adianta Padilha.
A base parlamentar e o mercado aguardam o envio dos projetos ao Congresso, o que deve ocorrer depois das eleições municipais, para conhecer o teor das propostas. Na reforma da Previdência, uma queda de braço será a idade mínima da aposentadoria. O Planalto projeta 65 anos, caso o período de transição para quem já contribui se estenda por 15. Se a transição durar 40 anos, de forma escalonada, a idade mínima pode ir a 70.
Na reforma trabalhista, a intenção é aprimorar as regras de terceirização e dar mais força às negociações coletivas entre empregados e
patrões. Está no horizonte acertar a legislação para contratos de trabalho parciais e intermitentes, com jornadas inferiores a 44 horas semanais – assim, férias e 13º seriam calculados de forma proporcional.
As ideias desagradam petistas e movimentos sociais, que prometem oposição ferrenha.
– Não deixaremos que esse governo aprove qualquer retirada de direitos dos trabalhadores – garante o senador Paulo Paim (PT-RS).
Primeira batalha já tem data marcada
O primeiro ponto das reformas de Temer, a PEC que fixa limite para os gastos públicos já está na Câmara, com a intenção de ser votada até o início de novembro, indo para o Senado. A ofensiva, no momento, procura convencer os parlamentares de que não haverá redução de recursos para saúde e educação. O Planalto avalia que, se conseguir aprovar a PEC no Congresso, dará demonstração de força ao mercado suficiente para destravar investimentos.
O empresariado aguarda ações mais vigorosas de empenho com o ajuste fiscal. No período de interino, o presidente Michel Temer fixou como meta déficit de R$ 170,5 bilhões para 2016 e deu R$ 58 bilhões em reajustes para servidores. Sem o argumento de fragilidade pelo governo provisório, a cobrança cresce, inclusive na base. PSDB, DEM e PPS exigem posicionamento contrário ao aumento do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em discussão no Senado e que conta com apoio de parte do PMDB.
A confiança do mercado é o caminho visto para retomar a geração de emprego. Por isso, a aposta em novo programa de concessões e privatizações, cujo anúncio dos primeiros leilões deve ocorrer em 12 ou 13 de setembro. Quatro aeroportos, duas rodovias, duas ferrovias e cinco terminais portuários devem entrar na primeira leva. Saneamento, hidrovias e mobilidade devem encorpar mais tarde o pacote, que pode receber a inclusão de presídios e gestão de hospitais.
Sobreviver aos impactos da Lava-Jato está entre desafios do governo, diante de novas delações que podem ser fechadas. Turbulências poderão fragilizar a equipe ministerial e o próprio Temer, com risco de espantar investidores. O Planalto mantém o discurso de que está tranquilo e apoia as investigações.
Nos primeiros meses de Presidência, Temer terá agenda internacional agressiva. No fim de semana, debuta na reunião do G-20, na China. No dia 20, deve discursar na abertura da assembleia-geral da ONU, em Nova York. Para outubro, está prevista ida à Índia no encontro do Brics. Uma visita à Argentina também está nos planos do Planalto.
– Em período de recessão interna, o melhor caminho é atrair investimentos. Temer vai mostrar que o país entrou em outra fase, que há segurança para investir – diz um auxiliar do presidente.