O Brasil está cultivando pela primeira vez espécies de soja selvagem, a maior parte originária da Austrália, mas também de Taiwan e Papua-Nova Guiné. No total, 21 tipos destas sementes estão sendo regeneradas. As amostras fazem parte do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) da Embrapa Soja, de Londrina (PR), que preserva mais de 35 mil tipos de soja de todo o mundo e tem capacidade para 220 mil amostras.
Para se ter uma ideia do avanço da ampliação do banco, há sete anos eram apenas 5 mil espécies. O aumento ocorre devido à busca, cada vez maior, por variabilidade genética para ser incorporada ao programa de melhoramento – tolerância à alta temperatura e baixa disponibilidade de água ou resistência a doenças como a ferrugem, a mancha alvo ou o cancro da haste.
O pesquisador Marcelo Fernandes de Oliveira, curador do BAG da Embrapa Soja, explica que, ao contrário do grão semeado atualmente, originário da China, a selvagem ainda é pouco conhecida, mas traz embutidas características que poderão influenciar positivamente no futuro dos programas de melhoramento genético.
– Sabemos que o genoma da soja selvagem é diferente do genoma da cultivada, mas poderemos ter acesso a fontes diferenciadas de resistência a várias doenças e pragas – ressalta Fernandes, lembrando que a coleção de sementes guarda a extensa variabilidade genética da cultura, desde a cultivada na China há mais de 5 mil anos.
Cultivo de grãos para multiplicar amostras
A regeneração consiste no cultivo das espécies selvagens, até então inexistentes no país, para multiplicar as amostras obtidas em bancos de germoplasma dos Estados Unidos, da China e da Coreia do Sul. Apesar da tecnologia disponível para conservar o material, que fica armazenado em ambiente refrigerado a cinco graus, este procedimento é feito a cada cinco anos. Assim, é possível manter a genética e pesquisar características que serão úteis no melhoramento genético da soja.
– As espécies selvagens servem como um repositório de genes – avalia o agrônomo Luiz Carlos Federizzi, professor de melhoramento genético de plantas da Ufrgs.
O desenvolvimento destas plantas vem sendo observado e catalogado pelos técnicos da Embrapa Soja. Algumas foram plantadas há mais de um ano e ainda não produziram. No caso da soja selvagem, a maioria tem ciclo longo ou perene. Em 40 anos, a empresa já desenvolveu 360 cultivares do grão que foram melhoradas por meio dos materiais preservados no BAG.
Soja selvagem ajudará no melhoramento preventivo
O agrônomo José Renato Bouças Farias, chefe-geral da Embrapa Soja, de Londrina (PR), explica a importância do Banco Ativo de Germoplasma (BAG), que abriga amostras do mundo todo, incluindo espécies selvagens. O pesquisador aborda ainda o trabalho de melhoramento genético feito pela instituição como forma de evitar a disseminação de doenças na soja.
Qual é a origem das espécies selvagens de soja? Que utilidade podem ter para a produção brasileira?
Estas espécie selvagens vêm da Austrália. Originalmente, a soja era usada mais como pastagem, da mesma forma como no Rio Grande do Sul se usa leguminosas para enriquecer as pastagens. Depois começaram a ver que tinha outras utilidades e que poderia ser usada para outros fins. Se buscou, então, com o melhoramento genético, atender a essas outras necessidades de uso da soja. São materiais muito antigos, que vêm sendo mantidos e reproduzidos em bancos de germoplasma no mundo inteiro e que, agora, trouxemos para o Brasil.
Que novas características já foram identificadas?
Não sabemos ainda todo o potencial, todas as características presentes neste BAG. Estamos fazendo a revitalização e a multiplicação desse BAG para torná-lo ativo, ou seja, apto à reprodução. Paralelamente, estamos fazendo todo um trabalho de caracterização da fenotipagem desse BAG a fim de identificar características desejáveis para serem incorporados em nosso programa de melhoramento. Pode vir de material selvagem ou de espécies mais recentes.
E no caso da soja selvagem?
Estamos procurando espécies com tolerância a altas temperaturas e à seca, porque são cenários que se vislumbram no Brasil. E identificar, nestes materiais, a característica de maior adaptação a esta condição climática adversa, que dá um fator competitivo considerável na hora de gerar um material comercial. Também buscamos genes de resistência a doenças e pragas que ainda não temos no Brasil, e começamos a incorporar estas fontes em nossa genética.
Para quais novas pragas a Embrapa está alerta?
Monitoramos, principalmente, a Ásia e a África. Por exemplo, para o phoma – tipo de fungo que cria necrose na planta –, estamos identificando e trabalhando no que a Embrapa chama de melhoramento preventivo como forma de identificar fontes de resistência. Alguns pulgões e ácaros, comuns no mundo inteiro, e aqui no Brasil ainda não, mas pode acontecer rapidamente, assim como a mosca-branca, que está entrando de forma assustadora e precisamos ter logo uma medida para evitar. Fora os problemas antigos que temos, como o percevejo e a ferrugem, que apesar de todo o trabalho de melhoramento, ainda não conseguimos uma solução.